Estudantes exigem que o debate seja aberto
Várias faculdades ocupadas em Espanha contra a aplicação do Processo de Bolonha
Inês Subtil
Ao som da palavra de ordem "avalancha" os estudantes em Espanha têm ocupado nas últimas semanas várias faculdades e exigem que seja aberto o debate em torno do Processo de Bolonha. Quase dez anos depois da União Europeia ter estabelecido o plano para a criação do Espaço Europeu de Educação Superior, e da aplicação em Portugal ser um dado adquirido, no país vizinho ainda se grita a plenos pulmões "Não a Bolonha!".
É difícil saber ao certo quantas faculdades estão encerradas, porque o número de estudantes em luta e os edíficios ocupados aumenta a cada dia que passa. O movimento já se estendeu às universidades de Barcelona, Autónoma de Barcelona, Complutense de Madrid, Sevilha e Valência. Em declarações ao PÚBLICO, Màrius Samso, estudante de Biologia na Universidade Autónoma de Barcelona, explicou que "a ideia não é acabar com o plano de Bolonha, mas sim que as assembleias de estudantes possam tomar uma posição na definição do processo".
A Faculdade de Ciências, onde estuda, vai ser ocupada na próxima semana, após aprovação ontem em reunião geral de estudantes. Na mesma instituição, são já três as faculdades encerradas: Ciências Políticas, Comunicação e Letras. Pelas salas e corredores, há sacos-cama e colchões prontos a servir de camas improvisadas às centenas de estudantes que aí têm passado a noite.
"Não é um fenómeno passageiro"
Hoje, numa carta ao Governo espanhol, divulgada pelo jornal "El País", os reitores das cinco universidades afectadas afirmaram que este "não é um fenómeno passageiro" e acrescentam "o movimento anti-Bolonha não está a desvanecer-se, senão a crescer e pode ter consequências imprevisíveis". O documento alerta que no total estas instituições albergam mais de 250 mil alunos, um quinto dos estudantes das 50 universidades públicas de Espanha.
As acções de protesto contra a Declaração de Bolonha, assinada em 1999 por 29 países, não são de agora. Um pouco por toda a Europa, incluindo Portugal, as vozes contra o modelo têm-se ouvido mas com intensidades diferentes. Sob o lema de facilitar a homologação de títulos no sistema universitário europeu e a mobilidade de alunos e professores, a implementação do projecto tem sido sempre apresentada como inevitável para a modernização das instituições de Ensino Superior. No entanto, os estudantes espanhóis recusam-se a pensar da mesma maneira.
Ao contrário de Portugal, só este ano o Processo de Bolonha começou a ser aplicado nas licenciaturas em Espanha. Até agora, apenas os mestrados e doutoramentos tinham sido adaptados ao modelo europeu. Nas acções de protesto os alunos argumentam que o processo vai conduzir à privatização das Universidades; ao aumento das propinas – com a necessidade de fazer pós-graduações e mestrados, face à redução dos anos de licenciatura –; e que muitos cursos estão mesmo em risco de acabar, uma vez que a rentabilidade (em termos de emprego e investigação) passa a ser definida pelas necessidades do mercado. Talvez por isso, a maioria das faculdades ocupadas são da área de Humanidades (como Filosofia, História, Geografia, Pedagogia e Comunicação).
Primeiras ocupações já duram há mês e meio
Em Espanha, os grandes pioneiros do movimento anti-Bolonha foram os alunos da Universidade de Valência, que há um mês e meio ocuparam, pela primeira vez, um dos edíficios da instituição. Depois, como uma bola de neve, chegou a haver sete encerramentos, um número que vai variando consoante o que se decide nas assembleias de faculdade convocadas quase todos os dias.Mas, apesar dos protestos, o conselheiro da Inovação, Universidades e Empresas da Generalitat da Catalunha afirmou hoje, citado pelo "El Mundo", que "o Plano de Bolonha é irreversível e não haverá marcha-atrás". Josep Huguet assegurou que "esta é uma oportunidade" para a Europa enfrentar a crise actual: "Só sairemos desta situação se conseguirmos alcançar a excelência e a transferência do conhecimento da universidade para a sociedade".
Nem todos parecem tranquilos. Os reitores das cinco instituições, com edíficios ocupados por estudantes, dizem que "chegou o momento de abordar esta questão com urgência". As preocupações que o movimento se estenda a outros sectores da sociedade, como professores e famílias, fez com que o grupo pedisse uma audiência com os responsáveis do Ministério da Ciência e Inovação.
Contra ou a favor das reformas, os responsáveis universitários em Espanha estão à espera de um resposta clara por parte do Governo sobre as mudanças no Ensino Superior, "uma mensagem pública sobre o que representa Bolonha", acrescenta a carta hoje enviada pelos reitores.