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quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Luiz Pacheco Vive ***


Sobre a morte de Luiz Pacheco
Morreu, no último sábado, dia 5 de Janeiro o escritor e editor Luiz Pacheco. Morreu velho, lúcido, irónico, igual a si mesmo. Dele se pode dizer, apesar de lhe desagradarem os rótulos, que era um dos poucos escritores «malditos», neste país de bachareis em busca de dinheiro, comendas e fama. Publicou, na sua editora /Contraponto/, Herberto Hélder, Mário Cesariny, António Maria Lisboa e Natália Correia antes da moda. Nas palavras de Vítor Silva Tavares, editor da /&etc/ e seu amigo: «fez uma simbiose muito forte entre os seu percurso de vida e a sua literatura", desdobrando-se «na personagem que ele próprio criou, a personagem de vadio e pedinte, de libertino, de libertário, de iconoclasta». Passou pelos tribunais, pela prisão, pela rua e por lares de terceira idade. Viu seus livros serem apreendidos. Dos amigos intimou - e recebeu - ajuda, do Estado pouco, para não dizer nada. Deixa na sua literatura e nos seus textos de crítica literária uma marca original que nem os seus críticos, nem a hipócrita unanimidade póstuma da paróquia, poderão ocultar. Foi único, diferente e fez o que neste país é pecado mortal: mijou fora do penico -esse grande penico da política, dos bons costumes e da crítica literária. Entre os seus principais livros estão «A Comunidade», «O Libertino Passeia por Braga...», «Teodolito» e textos de crítica literária reunidos em obras como «Literatura Comestível», «Exercícios de Estilo» e «Textos de Guerrilha».
E. S
Letra Livre
Calçada do Combro, 139
1200-113 Lisboa



A Comunidade, Contraponto, 1964

(...) Estendo o pé e toco com o calcanhar numa bochecha de carne macia e morna; viro-me para o lado esquerdo, de costas para a luz do candeeiro; e bafeja-me um hálito calmo e suave; faço um gesto ao acaso no escuro e a mão, involuntária tenaz de dedos, pulso, sangue latejante, descai-me sobre um seio morno nu ou numa cabecita de bebé, com um tufo de penugem preta no cocuruto da careca, a moleirinha latejante; respiramos na boca uns dos outros, trocamos pernas e braços, bafos suor uns com os outros, uns pelos outros, tão conchegados, tão embrulhados e enleados num mesmo calor como se as nossas veias e artérias transportassem o mesmo sangue girando, palpitassem, compassadamente, silenciosamente, duma igual vivificante seiva(...)