"Gostaríamos de lançar esta discussão sobre solidariedade revolucionária porque sentimos que nem sempre é clara a maneira como ela é vista ou abraçada, aquilo que as pessoas pretendem com as suas expressões de solidariedade, dado que vemos a importância de nos reconhecermos a nós próprios nas lutas, queremos discutir sobre aquilo que a envolve e sobre aquilo que se pensa que ela é. Porque regularmente vemos pessoas usarem imediatamente esta forma de actividade devido à necessidade de responderem à revolta, ao ataque e à insurreição que, nesse momento, estão a ocorrer noutro local longe dos nossos quotidianos ambientes sociais que nos são forçados. E portanto perguntamo-nos se é isso que a solidariedade devia implicar, e questionamos mesmo qual é o seu propósito, considerando que ela aparece completamente isolada e desconectada, tanto da luta importada, como da realidade local. A sabotagem, por si só, poderia por vezes ter muito mais significado como simplesmente o meio que é a sabotagem em si, do que a sabotagem como meramente uma resposta aos símbolos de outros.
O conceito de solidariedade revolucionária nasce de um conceito de luta geral previamente existente, como parte, ou melhor, como uma extensão dela que, por vezes, encontra pontos de ligação com outras lutas. O seu conteúdo, a motivação ou a intenção, os símbolos, métodos e a linguagem não mudam consoante a influência dos outros, ela simplesmente inspira-se quando nos revemos neles. Se não houvesse nada prévio que nos traz já para as ruas, algo que nos move ou aquilo por que lutamos, então os actos de outras pessoas criariam aquilo que fazemos e, sem isso, o que é que faríamos? Nada? De facto é isso que acontece, se não há luta no local de onde veio a solidariedade.
Nós não somos políticos nem autonomistas, que instantaneamente apoiam lutas, desde que estas brotem de certo terreno. A solidariedade revolucionária é sempre uma solidariedade crítica, com os nossos próprios meios, com as nossas próprias palavras, com a nossa própria perspectiva. Quando um ataque é lançado sobre pessoas que não são necessariamente consideradas companheiras desde meios anarquistas, ainda assim a solidariedade faísca nos nossos corações vinda dos pormenores de reconhecimento, que vão para lá do logotipo que está pendurado no pescoço de alguém, ou dos amigos que esse alguém possa ter. Com base nesse reconhecimento, o fogo alastra-se, por aquilo que nós lemos nele. Simultaneamente, quando companheiros mais expectáveis, vindos do conhecido meio anarquista, se revoltam, nós não queremos seguir como escravos do grandioso propósito revolucionário, do programa que é proposto, se não nos revemos nesse papel, ou nessas ruas, só por causa disso. Queremos olhar sempre para as coisas com os nossos próprios olhos, e absorver e digerir a informação individualmente com os nossos corações. É isso que torna a solidariedade forte; porque ela explodiu nas nossas caras, não porque foi delineada por outros.
Portanto, agir em solidariedade com outros não significa que pomos de parte as nossas diferenças, mas simplesmente que reconhecemos o outro como um indivíduo em luta. A pessoa, ou grupo, não é necessariamente um bom amigo, companheiro ou “sujeito revolucionário”. Mas, frequentemente, damos conta que os anarquistas têm medo de falar destas diferenças que temos entre “nós”, têm medo de estragar a força do movimento, assumindo neste caso que existe um movimento enquanto grupo homogéneo, como se fôssemos uma grande e feliz família. Como anarquistas, damos a maior importância às nossas perspectivas individuais, e desta forma nem sempre concordamos uns com os outros; não temos medo disso. Além disso, ter uma crítica em relação a outros em luta não significa necessariamente que sejamos oponentes/inimigos, ou que queiramos que estejam na prisão. Aquilo por que lutamos é pelo fim da existência de companheiros presos, ou de qualquer outra pessoa presa. Seria ridículo deixar qualquer resquício desses muros que tentamos combater para os poucos com que não nos damos bem, seja pessoalmente ou socialmente.
Sem nos sujeitarmos às pegadas de outros, calçando sapatos que na verdade não nos servem, nós preferimos caminhar descalços por diferentes florestas e escalar montanhas para chegarmos onde queremos estar, e mais tarde pode acontecer que nos voltemos a encontrar. Não tememos o conflito com os nossos companheiros, o que tememos é o aprisionamento do corpo e da mente. A crítica aguça os nossos pensamentos e marca os nossos passos individuais. Não porque sim, mas porque podemos.
Desta forma, a nossa forma de demonstrarmos solidariedade é independente daquilo que os comités pedem, e permanece colada à maneira como vemos, e àquilo que vemos, na continuação da nossa luta; indiferentes aos apelos, por exemplo, de acções não-violentas ou legais, propostas por estrategas dogmáticos, ou aos propostos desde as luzes da ribalta de políticos famosos e intelectuais. Se, por exemplo, uma plataforma de presos auto-organizados cria um comité-satélite pela resistência colectiva contra a imposição que são as suas vidas, reconhecemos essa ânsia de respirar através das paredes, independentemente de linhas de conduta delineadas para tornar a campanha mais cativante às mãos do comité. Queremos tomar a liberdade de nos juntarmos a essa luta, sem perdermos a pessoa que éramos antes da inspiração de vivermos esta resistência com eles, ou podemos continuar, mais tarde, sozinhos. Ninguém nos pode dizer que feramentas ou palavras estamos a não autorizados a usar. De facto, as nossas exigências para essa luta podiam bem vir de diferentes origens que as deles, ou conduzirem a diferentes discussões, mas os nossos passos permanecerão sempre nossos. Ou, por fim, quando o partido dos famosos, o gangue dos religiosamente devotos, nos ordena que saiamos às ruas para libertarmos os “inocentes”, as vítimas da caça às bruxas perpetrada pela madame justiça, pode bem ser que já lá estejamos, tentando abrir as portas da liberdade para os “culpados”.
Os fracos, os ídolos, as vítimas e os heróis têm sempre os seus roadies, mas nós não andamos à procura de sujeitos revolucionários, nem pretendemos sê-lo. Se a solidariedade revolucionária existe em nosso redor, ela é sempre a continuação de uma luta que temos estado a viver, que se liga a algo começado por outros, que simplesmente atiraram a bola de fogo para onde a pudéssemos apanhar, e continuaremos a atirá-la. Não temos de esperar que outras pessoas façam algo primeiro; nós estamos na nossa própria luta com o mundo que nos rodeia, na nossa própria realidade; aqui e agora. Quando somos inspirados por outros (longe ou perto), não temos de entrar no território deles, de seguir os seus símbolos; tentaremos, sim, alastrar esse fogo aos símbolos de autoridade e seus cúmplices que nos são impostos na nossa própria vida quotidiana.
Mas apercebemo-nos que, por exemplo, muito pouco estava a acontecer numa série de lugares, e desde a recente insurreição na Grécia que, assim de repente, muitas pessoas acordaram; ou melhor, responderam àquela explosão de revolta. É muito importante vermos que esta insurreição não irrompeu apenas por causa da morte de Alexandros Grigoropoulos em Dezembro, mas que explodiu a partir de um fogo que arde há já alguns anos com uma luta verdadeiramente forte, local e persistente contra a autoridade e a exploração. E elas também existem aqui! Não há putos a lutar contra os bófias nos subúrbios de Amsterdão todos os dias? Não existem revoltas nas prisões Holandesas, por mais pequenas que sejam? Não temos patrões que reclamam os nossos corpos? Não temos bancos que nos roubam o nosso futuro? Não temos Estado que nos faz reféns numa prisão cada vez mais vasta? Todos os dias... Que pobreza de luta anarquista é que isto demonstra? Será que o pessoal está à espera de uma razão? À espera do apelo? À espera do messias?
Por vezes esta é a “primeira” faísca a atingir o carvão, em vez de uma continuação, para que uma luta comece, como uma inspiração, mas ela deveria ser sempre tua.
Façamos a nossa própria luta, façamos guerra social."
Traduzido do Inglês, de um texto escrito e proposto como base para uma discussão sobre solidariedade revolucionária no café/bar Eigenaardig, em Amsterdão (Holanda), dia 12 de Fevereiro, quinta-feira.