A denominada operação Nottetempo começou em Maio de 2005, com a intervenção em massa da polícia, que levou à detenção de 5 anarquistas na região de Lecce (no sul de Itália) e à investigação de outros 10 por conspiração.
Os companheiros estavam verdadeiramente envolvidos de forma activa na luta contra o centro de detenção de imigrantes Regina Pacis em San Foca (Lecce), gerido pela igreja, e que encerrou antes do início da famosa operação Nottetempo. A luta real dos anarquistas locais tinha, de facto, revelado as atrocidades cometidas naquela prisão para imigrantes, a tal ponto que os operadores do centro deixaram de ser capazes de esconder a sua degradante actividade. Alguns desses operadores chegaram a ser postos em julgamento e entretanto foram para fora do país, onde continuaram o trabalho sujo e conseguiram lavar a sua reputação.
Pelo contrário, dois dos anarquistas detidos passaram dois anos na prisão, e os restantes foram postos em prisão domiciliária ou sujeitos a várias restrições. O primeiro grau do julgamento terminou em Julho de 2008: como fora impossível ao júri confirmar a existência de uma associação subversiva (artigo 270bis por conspiração), este recorreu ao artigo 416 do código penal Italiano e acusou quatro companheiros de formarem uma “associação criminosa” (crime organizado). Três outros companheiros foram acusados de crimes específicos e os outros oito foram absolvidos.
Preocupado com a carreira e ávido por uma promoção, o procurador do ministério público Lino Giorgio não se conformou com o facto de a sua teoria de uma associação anarquista clandestina ter sido rejeitada pelo júri. Por isso, algumas semanas depois, apresentou um recurso contra esta sentença de modo a que outro júri confirme a acusação de conspiração contra os anarquistas de Lecce.
A sentença do recurso era para ser lida a 10 de Fevereiro de 2010, mas uma vez mais foi adiada por o júri ir examinar mais “provas” apresentadas pelo ministério público. A intenção de acusar os anarquistas envolvidos nesta vergonhosa história de repressão é evidente, e é também evidente a que ponto os poderosos locais estão determinados a silenciar o assunto, assim como a violência e o abuso infligidos a imigrantes pelos operadores do campo de concentração Regina Pacis. Se é verdade que este já não existe, muitos outros podem ser encontrados por toda a Itália, e não só; mas a luta também está viva, a luta daqueles que, dentro ou fora destes campos de concentração, acreditam que o único destino destes lugares é o de serem destruídos juntamente com o medo, o ódio, a indiferença e o racismo fomentados pelo poder, que pretende criar o terror e incitar a uma guerra entre os explorados.
Solidariedade com os anarquistas de Lecce!
Destruamos todas as prisões!
* * * * * * * * * * * *
O mau exemplo de uma luta anti-esclavagista em Salento
No próximo 10 de Fevereiro, um mês depois das desordens de Rosarno que mostraram ao mundo inteiro as condições em que vivem os estrangeiros pobres em Itália (despojados, perseguidos, repelidos, deportados), terminará em Lecce o processo de recurso a cargo de alguns anarquistas que há alguns anos atrás se bateram contra os esclavagistas modernos.
Se na Calábria os danados da terra são vítimas da tão falada “criminalidade organizada”, na vizinha Salento o seu inferno era o famigerado CPT (centro de permanência temporária) de San Foca, o Regina Pacis. Vigiado por guardas uniformizados e gerido por benditos homens de batina, no seu interior era perpetrada uma violência tal que deixou de ser possível escondê-la, nem com muros nem com grades. Era o que era visto, dito e contado. Foi um escândalo gigantesco, e dentro dos palácios do poder gerou-se um certo embaraço. O bispo de Lecce foi obrigado a sair em defesa do responsável pelo centro - o padre Don Cesare Lodeserto -, enquanto os tribunais abriram uns quantos inquéritos. Entretanto, nas ruas, crescia a raiva. Enquanto todos os democratas de coração se manifestavam a favor da lei e das suas normas, os anarquistas defendiam a revolta contra os campos de concentração e os seus servidores.
Acabámos de ver como o Estado – aquele estado que fomenta a guerra entre pobres, aprovando leis xenófobas e incitando ao ódio racial – interveio em Rosarno para restabelecer a ordem: primeiro deportou em massa os rebeldes, depois prendeu alguns mafiosos. Em Leccefez exactamente o mesmo, mas em sentido inverso: primeiro prendeu o sacerdote autor das agressões (a Março de 2005), depois inquiriu vários anarquistas, metendo 5 na prisão (em Maio de 2005). Postos em liberdade um anos depois das detenções, estes foram de seguida condenados por “associação criminosa” e outros crimes específicos, enquanto outros foram condenados a penas menores. Hoje que o campo de concentração Regina Pacis está fechado e o padre torturador se encontra no estrangeiro em missão divina, a magistratura Salentina pretende acertar as contas com estes inimigos de todas as fronteiras. Não apenas para confirmar, mas para agravar a posteriori a sentença já infligida em primeiro grau.
Para grande parte das instituições se a revolta dos imigrantes de Rosarno representa um fogo compreensível, a dos anarquistas de Lecce constitui uma ameaça inadmissível. O escravo que se revolta à enésima agressão que lhe é feita, desde que com a sua cólera não exagere e desde que se volte a por na linha rapidamente, a ele pode-se parcialmente justificar (apenas para depois o usar como pretexto para uma deportação em massa). Aos indivíduos que recusam o papel de cidadãos passivos e indiferentes, que recusam a disciplina de qualquer partido, esses são reprimidos sem hesitação. Porque dão o mau exemplo. O Estado culpa o silêncio nos conflitos de violência privada, mas pretende que ele seja um dever cívico perante os actos de violência institucional.
Os anarquistas de Lecce fizeram aquilo que os melhores habitantes de Rosarno não tiveram a coragem de fazer. Não fecharam os olhos ao que estava a acontecer, não pediram nem esperaram por ninguém, saíram para campo aberto com o objectivo de parar directamente a infâmia em curso. E fizeram-no sem visões políticas nem hipocrisias missionárias. Viram uma humanidade em cadeia e insurgiram-se contra os esclavagistas.
Por isto querem condená-los, em Lecce, no próximo 10 de Fevereiro.
Por isto não podemos deixá-los sós.
outros inimigos de todas as fronteiras